domingo, 31 de maio de 2009

Minha velha mãe opiniosa

Minha mãe, morando numa casinha sem pintura na rua Regimento Barriga Verde, em Araranguá, ao lado de mana Icléia, cuja casa se situa no mesmo terreno até hoje, tinha algumas obsessões. Uma delas era não submeter-se a qualquer tipo de pressão externa. Analfabeta, simples e simplória, mamãe tinha uma maravilhosa personalidade.

Nunca a ouvi falando mal de ninguém e nunca a vi deixar de acolher parentes ou amigos em más condições de vida.

Pobre, ela nunca deixou de visitar suas amigas, a maioria delas mulheres de famílias abastadas, que a adoravam. Mamãe era saudosista e sabia conversar. Isso era do seu estilo. Conversava bem e ouvia muito. Concordava com tudo, opinando quando isso se fazia necessário.

Magricela, quase raquítica, tinha uma força descomunal para o seu tamanho e sua compleição física. Cortava lenha a machado com uma maestria de fazer inveja. Nós, jovens filhos metidos a sebo, nem chegávamos perto de sua disposição permanente para o trabalho pesado. Ela não sossegava. Sempre cortando lenha, plantando (as árvores de nosso terreno, todas, foram por ela plantadas - e Deus livrasse quem tentasse derrubar uma ou entrar no terreno para caçar passarinho; ela escorraçava sem dó nem piedade).

Muitas vezes ficávamos sem carne para as refeições. No entanto, nem falta sentíamos. Ela criava pratos saborosíssimos como alternativa: fritadas de ovos com batatas e legumes, tomates verdes fritos à milaneza, bolinhos de arroz e aipim que causavam alvoroço, sem falar no feijão com um tempero até hoje não igualado e no arroz soltinho com molhos incríveis e desconhecidos para mim até hoje. Pela manhã, preparava rosquinhas de polvilho e arroz doce em potinhos que eram guloseimas disputadíssimas. Pão? Lembro as poucas vezes que comemos os de padaria. Ela os fazia em casa, de milho e de trigo, além de fubá. Era a campeã (ah, saudades...).

Tenho ainda em meu apartamento três relíquias de minha mãe: um ferro de passar roupas aquecido com brasas, uma máquina de costuras manual "Vickers" e o pilão em que ela fazia pó de café (que ela mesma plantava no nosso quintal).

Os três são mais velhos que eu. Imagina a idade dessas relíquias...

Nós, seus filhos, jamais admitimos, em qualquer circunstância, levá-la para asilo, como ela frequentemente sugeria "para não incomodar". Imaginem!! Por iniciativa do Aimberê, cada filho dava uma mesada pra ela sobreviver e ela ainda recebia sua pensão do INSS como trabalhadora rural (meio salário mínimo, à época). Como a casa era própria, adquirida ainda pelo meu pai, não pagava aluguel.

Voltando ao início desse relato modesto, falo da personalidade forte de minha mãe, insubmissa a pressões: um dia ela deixou de pagar a energia elétrica (era porcaria, uma importância mínima, algo como a tarifa básica hoje) por esquecimento e o pessoal da Força e Luz (hoje Celesc) foi pressioná-la a pagar ou eles cortariam o fornecimento. Ela prometeu pagar no outro dia, mas os gajos insistiram em pressioná-la: "Ou paga hoje ou cortamos".

Amarfilina, a mãe eterna de minha vida, pegou uma enxada, foi ao local onde ficava o relógio medidor da luz e quebrou todo, cortando o fio de abastecimento da casa. "Pronto, disse ela, já cortei. Agora vão cobrar da mãe de vocês".

E ficou sem luz por todo o sempre, até falecer, em 1980. Mulher de opinião. Ninguém a dobrava.

Podem perguntar: e por que os filhos não pagaram pra ela voltar a ter luz? Ah, e contrariar nossa mãe, que insistiu em que não mais queria "esse pessoal da Força e Luz enchendo o saco"? Estão é doidos...