domingo, 1 de novembro de 2009

Fantasmagóricas

A imaginação infantil forja crendices e medos sem limites.

Mamãe e tia Carolina viviam arrolando estórias de "parenças" (fantasmas), e as contavam nas noites, ao lado do fogo ou enquanto se preparavam para dormir. Eu vivia atormentado com aquilo, pois dormia no mesmo quarto, nos idos de meus seis ou sete anos e o sono demorava séculos para conciliar, ante o pavor dos fantasmas visualizados na escuridão. E eu os via a todo instante. Pesadelos me acossavam e eu acordava um trapo, no entanto feliz pelo amanhecer e pela claridade.

Lembro de contações sobre o finados. O pavor de ouvir a mesma narrativa, todos os anos, de procissões de mortos à meia-noite, portando velas que se transformavam em tíbias ao serem tocados pelos vivos.

O castigo dos mortos pelas promessas e dívidas descumpridas, rezas ofertadas e não rezadas, missas prometidas e esquecidas, velas que não foram acesas. Nas procissões, dizia mamãe, os mortos anunciavam, com vozes guturais e soturnas: "Cadê aquela vela que você nos prometeu, cadê aquela vela que você nos prometeu, cadê aquela vela que você nos prometeu", num compasso de música fúnebre e ritmada.

Como resultado desse medo, até hoje, aos 65 anos, jamais prometi nada aos mortos. Os homenageio no momento certo e lhes ofereço o que é possível na ocasião. Orações, velas, flores, sentimentos. E só.

Claro que mamãe não tinha esse sadismo, muito pelo contrário. Mas a moda da época era contar estórias assim. Os mais velhos sabem disso. As crendices tinham uma presença muito viva na vida de todos.

Há outras: nosso tio Zeca, irmão de mamãe, contava passagens vividas pessoalmente por ele.

Uma ocasião (o Aimberê e o Aryovaldo, meus manos, conhecem bem a história e melhor que eu), o tio Zeca teria sonhado com um sortilégio, caracterizado por uma "panela de ouro" enterrada à beira de um capão (pequena mata), na Boa Vista (Meleiro).

Teria de ser desenterrada por ele e por mais ninguém, à meia noite. Terrivelmente medroso, tio Zeca convidou Nego Ticó Nagara, metido a místico e corajoso, conhecedor dos mistérios das almas penadas. Ticó ouviu a história e disse: "Zeca, você tem um "prevelégio". Ele é só seu".

E foram, meia noite, com uma pá, desenterrar o "prevelégio". Na hora de cavocar, viram que o local era um enorme formigueiro e as formigas se alvoroçaram. Nego Ticó Nagara dizia: "Não pára, Zeca, isto é coisa do diabo, para te desencorajar." Ao invés de estimular, Ticó atulhou a cabeça do tio Zeca de mais medo. De repente, para piorar, caiu um forte pé de vento, sacudindo a mata próxima. De dentro da mata saiu um terneiro preto com uma enorme estrela branca na testa e mugiu.

Não deu outra: tio Zeca jogou a pá pra cima e disparou na direção de casa. Ticó Nagara, mais velho, ficou pra trás, gritando: "Espeeeeeeera, Zeca!!"

Espera, nada! Contou o Aryovaldo que a família estava na sala da casa, esperando-o para saber das notícias do tesouro, quando tio Zeca entrou voando e se atirou de peito, se estatelando, esbaforido, no chão de largas e ásperas tábuas.

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